"Os chifres brilham como estrelas caídas. Segui um e encontrei o caminho. Ignorei outro e quase perdi a vida. Em Targon, até a montanha sussurra através de suas criaturas."
- Anotação em um diário abandonado no Acampamento dos Peregrinos
Os Íbexes de Cristal são tão antigos quanto as próprias lendas de Targon. Sua pelagem negra, densa e ondulante, parece absorver a luz do sol, enquanto a juba branca que envolve seus pescoços lembra névoas presas em movimento perpétuo. Os cascos, estreitos e cravejados de ranhuras naturais, agarram-se às rochas como se as paredes verticais do monte fossem planas, desafiando até mesmo os ventos mais cruéis. Mas são os chifres que hipnotizam: estruturas alongadas de cristal roxo, translúcido como vidro soprado, que cintilam com uma luz interna. Tribos nômades juram que cada cristal contém um fragmento do "Primeiro Céu", aquele que existia antes dos deuses caminharem entre os mortais. Durante tempestades, os chifres emitem um zumbido baixo, quase musical, como se conversassem com os raios.
A relação dos Íbexes com os escaladores é um paradoxo. Eles não são domesticáveis — tentativas terminaram com homens sendo arrastados até abismos por cordas repentinamente cortadas —, mas também não são hostis. Observam. Avaliam. Um caçador solitário das tribos Rakkor, contou-me que, em sua juventude, viu um íbex parar diante de um peregrino que sangrava no chão após uma queda. A criatura inclinou a cabeça, deixando um de seus chifres tocar a neve. O homem, em desespero, agarrou-o. No instante seguinte, o cristal desprendeu-se sem resistência, e o íbex desapareceu na névoa. O peregrino sobreviveu: o fragmento fora usado por um curandeiro de sua tribo. "Mas ele nunca mais escalou", Orlon resmungou, cuspindo no fogo. "Dizia que o cristal sussurrava coisas... coisas que faziam a neve parecer quente."
Durante minha expedição ao Pico da Aurora, descobri que os íbexes não são guias, mas provocadores de destino. Após dias de subida, uma nevasca engoliu a trilha. Meus dedos adormecidos mal seguravam as cordas, e a escuridão era tão espessa que eu duvidava de meus próprios passos. Foi então que ouvi: um tilintar de cristais batendo levemente uns contra os outros, como sinos de vento distantes. Entre os flocos que dançavam, dois pontos roxos brilharam — os chifres de um íbex, não maior que um cervo, mas com uma presença que paralisou minha respiração. Ele estava a três metros acima, em uma saliência impossível, olhando-me sem pressa. Tentei me aproximar, mas ele bateu o casco direito contra a pedra, produzindo um estalo seco que ecoou como um aviso. Recuei. Ele repetiu o gesto, agora mais forte, e uma rachadura surgiu na rocha abaixo de meus pés. Segui instintivamente para a esquerda, contornando a área. Horas depois, já em acampamento seguro, um estrondo abalou a montanha: o trecho onde estivera desmoronara, levando consigo parte do penhasco.
Os pastores Rakkor evitam os locais onde os cristais caídos se acumulam — chamados de "Campos do Sussurro" —, mas deixam oferendas de ervas amargas e pingentes de prata nas bordas dessas áreas. Dizem que, ao amanhecer, vultos de luz roxa dançam entre os fragmentos, moldando-se em formas humanoides que apontam para certas rotas. Um jovem pastor, de voz trêmula, confessou-me ter seguido uma dessas figuras até uma caverna oculta, onde encontrou o esqueleto de um escalador envolto em cristais. "Seus ossos estavam intactos, mas o crânio... parecia fundido ao chão, como se a montanha o tivesse engolido devagar."
A verdade sobre os Íbexes de Cristal talvez esteja em sua ligação com o próprio ciclo de Targon. Durante o festival Rakkor da Ascensão, é tradição escalar até um Campo do Sussurro e deixar uma gota de sangue sobre um cristal. Se a luz do fragmento aumentar, o caminho do escalador é abençoado; se escurecer, é um presságio para desistir. Nenhum estudo meu conseguiu decifrar o fenômeno, mas testemunhei um caso: uma mulher chamada Kira, cujo cristal brilhou tão forte que projetou uma sombra semelhante a uma constelação em sua pele. Ela sumiu na montanha dois dias depois. Seu irmão jurou tê-la visto, meses mais tarde, caminhando ao lado de um íbex com chifres tão longos que tocavam o chão. "Ela não me reconheceu", ele sussurrou, "mas sorria. Como se finalmente entendesse a piada."
Em minhas últimas horas em Targon, enquanto embalava equipamentos, um som familiar fez-me olhar para cima. No penhasco acima do acampamento, um Íbex de Cristal observava-me, imóvel. Desta vez, não havia neblina — sua pelagem negra refletia o azul do céu crepuscular, e os chifres pulsavam em ritmo lento, como se respirassem. Levantei a mão, uma saudação tola. Ele virou-se e sumiu entre as rochas, deixando para trás apenas o eco de um tilintar. Talvez fosse um adeus. Ou um lembrete: em Targon, até as criaturas são mensageiras de algo maior. Resta saber se somos dignos de decifrar a mensagem.